CAPÍTULO SETE
- DIAS QUE SE PASSAM
O senhor Sydnei e a senhora Márcia, pais
de Jerry, reagiram com óbvia estranheza ao comportamento do filho nos dias
seguintes. Mas o senhor Sydnei era um homem ocupado demais com a papelada do
departamento de empreendimentos de uma grande empresa de propaganda e consultoria,
enquanto sua esposa ocupava suas manhãs com tarefas domésticas e suas tardes
com a confeitaria, onde era sócia e confeiteira-chefe. Restavam poucas horas do
dia para notar que o filho estava diferente e investigar os detalhes dessa
mudança.
Jerry, por sua vez, percebeu que os pais
não o viam como ele via a si mesmo. Se o fizessem, teriam comentado, ou demonstrariam
algum espanto - isso era óbvio. Aquilo era, no mínimo, bizarro, mas nada que
precisasse de uma maior atenção. Então, pôde ocupar-se de seus planos, sem se
preocupar em ser notado.
Voltou a frequentar a escola e fingia
que nada de especial tinha acontecido. Como sempre fora um garoto isolado e
desprovido de amigos, não estranhou o tratamento com que foi recebido. Em vez
disso, passou a apreciar aquela solidão, principalmente porque, agora, os
garotos não se aproximavam nem mesmo para incomodá-lo com apelidos e piadinhas,
ou empurrões e objetos jogados sobre a cabeça.
Os colegas que não eram moradores de seu
bairro nada ou pouco sabiam sobre os dias assombrosos que tivera, até que os
vizinhos começaram a cochichar nos corredores. E o que começou com rumores
assustados, mas ingênuos, tornou-se uma lenda urbana de violência, insanidade e
decadência. Suspeitaram que usava drogas, fofocavam sobre esquizofrenia (mesmo
que poucos jamais tivessem ouvido falar daquilo), sussurravam sobre seu olhar
distante e seu sorriso petulante. Até mesmo acusaram-no de ter sido o matador
do próprio cachorro. Ninguém parecia se importar com a verdade, ou com como ele
se sentia, de fato.
Na ida à escola e na vinda para casa,
Jerry se deixava levar pelos pensamentos. Tinha algo em si que o impulsionava a
pensar sobre como devolveria a terrível ofensa ao vizinho maldoso, como o faria
pagar pela crueldade com que tirara a vida de seu único amigo. Assim, observava
lugares e pessoas com interesse, como se buscasse em cada coisa, cada ponto da
cidade e cada indivíduo algo que pudesse ser usado, ou uma ideia definitiva
sobre o que fazer.
Às tardes, ele caminhava sem rumo, como
sempre fizera. Não tinha mais o cão ao lado, mas imaginava tê-lo. Sentia uma
dor muito forte, uma saudade imensa, e aquilo o fazia sentir uma raiva ainda
mais profunda. Por isso, era nessas horas que sua busca pelos meios de vingança
perfeitos se redobrava. Mas sua cabeça estava confusa demais para que algo
pudesse ter um mínimo de sentido, então ele não conseguia formular um plano
melhor do que ir até a casa do vizinho e esmurrá-lo até matar.
No quinto dia, sentiu-se fraco e
desmotivado. Os dias estavam passando e a grande retribuição não lhe ocorria. Sem
compreensão de todas as coisas que estavam acontecendo consigo mesmo, sentia
que não seria capaz de seguir adiante. Ele entendia que era um monstro, até
gostava da sensação de sê-lo, mas não sabia o que significava e, por isso,
sentiu-se perturbado. "QUEM É VOCÊ?" - gritou para o espelho,
jogando-o, depois, contra a parede do quarto. Agarrou-se às pernas sobre o
colchão, tapou os olhos e chorou.
Então, ouviu um ruído, vindo debaixo de
sua cama. Parecia um rosnado de um cão feroz, mas também parecia uma gargalhada
macabra.
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