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quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Dueverso - Uma burocrata vai à guerra

Outra vez, por longo tempo me afastei deste blog...

Ocorre que não me faltam tentativas de acelerar meu trabalho como escritor de fundo de quintal, mas ainda me falta muito conhecimento de vocabulário, técnicas e referências, de modo que o esforço por fazer um mísero conto é maior do que o resultado obtido...

Ainda assim, estou feliz em apresentar o segundo capítulo da série "Dueverso", que iniciei há mais de um ano. O link para baixar encontra-se abaixo:

Uma Burocrata vai à Guerra

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Os Sonhos mais Sombrios - Capítulo Dez


CAPÍTULO DEZ - O ROMPER DA CRISÁLIDA


- Vamos ver se você é capaz de entender o que meu cachorro sentiu, quando foi surrado até a morte!



Jerry tinha apenas um leve toque de fúria em sua voz, enquanto arremessava a cabeça de Christofer contra a cerca. De fato, estava muito mais controlado do que poderia, fosse ele apenas um garoto qualquer de treze anos, e ele próprio percebia isso. Havia uma sensação de apreciação, naquele momento de sadismo.



- Nnn fff nhiu! - Christofer teria pouca força pra gritar, mesmo se não estivesse amordaçado. O estômago ainda parecia estar fora do lugar, depois do murro que levara.



- Sabe o que eu fiz com a sua orelha? Eu agora lembro! E sabe o que eu penso disso tudo? DANE-SE! - Christofer tomou um chute na cabeça - Não é como se eu pudesse ser capaz de fazer isso com um mendigo, pedindo esmola no meio da rua - Outro chute, do lado das costelas - Ou com algum garotinho inocente, com as roupas combinadas, escolhidas pela mamãe. Não, eu jamais faria isso! Nem com um bebê, ou com um velhinho camarada, nem com quase ninguém no mundo! Mas você? E todos aqueles da sua laia? Eu não vejo por que não! - um último chute, na cicatriz onde, até a outra semana, havia uma orelha. O golpe desfez o nó da mordaça que, afinal, nem tinha sido mesmo bem feito.



- Socorro! - Christofer mal conseguia um murmúrio.



- Eu nunca fui de briga. Não assim, não nessa vida! Mas, sabe, graças à SUA ajuda, eu lembro de coisas que eu já fiz em CENTENAS DE ANOS, em meia dúzia de vidas. E parte do que eu lembro é que eu SEI brigar. Luto como um animal feroz, selvagem, faminto... E, a propósito, eu estou com fome!



Jerry agarrou o garoto, puxando sua cabeça com o braço esquerdo e usando a outra mão para torcer um dos braços de sua vítima, sua presa. Naquela posição, Christofer tinha seu pescoço exposto. Tentou intensamente se desvencilhar, mas estava muito machucado.



- Veja só! Talvez você pense que eu sou um vampiro, mas, não, eu não quero um equívoco aqui. Só que essa coisa de nomes não me veio corretamente à mente... Pare de se mexer, assim fica difícil lembrar!



Com a brutalidade de um leão, Jerry atacou Christofer na jugular, firmando seus dentes e puxando com força, até ter um enorme pedaço de carne de pescoço rasgado na boca. Christofer gritou apavorado, com a dor excruciante que sentiu, e então gemeu, e então se foi.



Jerry percebeu que havia um boné branco, com o símbolo de um time de futebol, pendurado num fio de varal. Sacou-o e ficou a observá-lo por alguns instantes. Seu coração parecia querer sair do peito, estava sem fôlego. Olhou para o lado e, notando que uma figura familiar se aproximava, falou:



- Aproxime-se, Cabum. Você tem que ver isso.



A criatura parecia um cão, mas havia muito de monstruoso em sua forma, mesmo desconsiderando o enorme tamanho. Tinha a pele escura desprovida de pelos e veias calibrosas pareciam evidentes em sua pele, cheia de sardas e cicatrizes. Enquanto andava, a bocarra deixava uma baba viscosa escorrer. Seus olhos eram rubros e saía fumaça de suas narinas, a cada expiração. Não era, realmente, o amigo viralatas que Jerry perdera para a violência de seus vizinhos maldosos, mas a projeção de um pesadelo, uma sombra, um fragmento de um sonho sombrio. E Jerry sabia disso, de um modo que não poderia ainda explicar. Ele apenas sabia. Como também sabia que o cão só era visível para si mesmo, tal qual o aspecto que tinha ao espelho.



Mas aquilo... Aquilo podia mudar. Seu instinto dizia isso, se as confusas lembranças de prévias existências não o faziam.



Uma porta lateral se abria na casa, enquanto Jerry lavava o boné que obtivera por troféu no sangue que escorria do moribundo. Na mente de Jerry, aquilo era como um rito de passagem. A mãe de Christofer testemunhou cada momento daquele ato psicótico e, para sua própria mente, era a própria definição de terror. E a cena se tornou ainda mais amedrontadora quando, ao vestir o boné embebido de sangue, Jerry foi circundado por uma aura luminosa rubra, que fez seu corpo se transformar, como num truque de mágica.



No lugar de calças jeans e tênis, Jerry agora usava calças de couro preto e botas de algum metal envelhecido e coberto de sujeira. Onde antes havia um rosto normal de um adolescente, agora havia uma face retorcida e pálida de um arremedo de ser humano, com uma boca enorme e cheia de dentes pontudos e amarelos. E ao seu lado, uma fera que extrapolava qualquer descrição racional.
- O-o... O quê é-é-é isso? - conseguiu balbuciar.


- Sou um Redcap - disse Jerry, satisfeito pelo retorno da lembrança - Presumo que a senhora não vá me oferecer a sobremesa, não é? - riu, e saiu correndo pelos fundos do pátio, assoviando para que seu mascote monstro o acompanhasse, deixando para trás uma senhora tão aturdida pelo pânico que só foi capaz de chorar e gritar cinco minutos depois, quando voltou a sentir suas pernas.

 


terça-feira, 18 de julho de 2017

Os Sonhos mais Sombrios - Capítulo Nove



CAPÍTULO NOVE - O VALENTÃO DA CASA AO LADO
A mãe de Christofer pediu-lhe que levasse o lixo para fora, como fazia quase todas as noites. O garoto obedeceu, mesmo que contrariado, reclamando da tarefa, como sempre fazia. Era 7:30pm, momento em que o sol já havia se escondido atrás do horizonte, mas o negrume da noite ainda não se fazia completo. Fazia frio.
Quando abriu o tonel, à frente de sua casa, Christofer não pôde conter o berro de espanto. Havia um gato preto morto ali, numa estranha pose, como se estivesse a ameaçá-lo.
- Não é o seu gato - a voz era de Jerry, parado a alguns metros, com os punhos cerrados ao lado do corpo, o olhar impassível - Também não fui eu quem o matou. Encontrei por aí. Tinha acabado de ser atropelado por uma caminhonete, enquanto brigava com outro gato no meio da rua. Foi uma cena inspiradora. Ele continuou tentando arranhar seu inimigo, mesmo enquanto as contorções da morte lhe afetavam.
- Por que colocou ele aqui no meu lixo, seu desgraçado? Você é louco?! - esbravejou Christofer, largando a carga que tinha no tonel.
- Louco, eu não sei se sou. Na verdade, eu nem sei o que sou. Mas eu sinto algo aqui. Algo diferente. E acho que não devo culpar você por isso, Christofer, mas certamente você teve algo a ver... Que tal uma metáfora pra explicar, hein? Você sabe o que é metáfora? Então... Talvez, eu já fosse um montão de palha e lenha, secos e prontos pra queimar, mas você foi a fagulha que acendeu a fogueira. Que tal?
- Não sei do que você está falando, seu maluco! Sai daqui, ou eu vou te dar uma surra!
Jerry se aproximou, a passos decididos, lentos, amplos. Bem devagar. Sem nada falar. Sem mover os braços. Parecia um robô, ou o monstro de Frankenstein. Christofer recuou alguns passos. Aquilo o pegou de surpresa. Nunca tinha ameaçado alguém que reagisse daquela forma.
- Sai, cara! Eu vou chamar a minha mãe!
- Isso mesmo! Vamos lá! Peça pra sua mamãe lutar as suas lutas. Talvez eu possa fazer nela o que pretendo fazer com você!
- Você não vai falar assim de mim e da minha mãe! - berrou Christofer, enraivecido, partindo pra cima de Jerry. Mas o garoto estava prevenido e foi rápido o bastante para arremessar contra seu rosto um pó que, de imediato, identificou como pimenta, muito, muito ardida, que entrou em seus olhos, seu nariz, sua boca. Nem conseguiu ver o golpe que tomou na boca do estômago, com a precisão de um cirurgião. Caiu ao chão, sem conseguir falar.
Não havia testemunha alguma a passar na rua, quando uma mordaça foi colocada em sua boca e ele foi arrastado para a lateral de sua casa, onde os arbustos esculpidos do jardim esconderiam tudo o que Jerry fizesse, ao menos por um tempo.
A mãe de Christofer, assistindo televisão em alto volume, porque era surda de um dos ouvidos, não perceberia a demora do filho em retornar até o fim do segundo bloco de sua novela.


sexta-feira, 14 de julho de 2017

Os Sonhos mais Sombrios - Capítulo Oito





CAPÍTULO OITO - GAROTOS TRAVESSOS
Christofer era o garoto mais esperto da vizinhança, o mais bonito e o mais forte. Era assim, ao menos, que ele se sentia, quando se reunia com os amigos, quando conversava com as meninas, quando zombava dos panacas da escola. Estava sempre sorridente, tinha dentes perfeitos, juntava admiradores ao seu redor e era um queridinho das professoras. Recebia dos pais todos os presentes e mimos que quisesse e não havia quem pudesse competir com seu talento em todos os esportes. Nenhuma vida poderia ser melhor, mesmo que suas notas nas provas fossem péssimas.
As coisas só se tornaram difíceis depois daquela ideia de enxer um balão com mijo e fezes, na festa do Jerry. Não teria sido tão ruim, se o garoto apenas tivesse aceitado a zombaria, voltando chorando pra dentro de casa, enquanto todos riam, como tinha sido planejado. Mas ele parecia não reconhecer qual era o lugar dele. E se revoltou bastante - muito além do que qualquer um poderia imaginar.
O taco com um prego na ponta acertou seu nariz como um tiro de escopeta. Foi pego totalmente de surpresa. Otto tentou apartar o maluco do Jerry, mas tomou uma joelhada nas bolas e caiu atordoado para o lado. Stefan foi um pouco mais ágil, conseguindo desferir um soco de direita na cara do desgraçado, o que o obrigou a largar o taco, mas ele parecia não sentir nada, só raiva, nada de dor. Segurou a gola de sua camisa e o empurrou contra Stefan, deixando-o indefeso, pois os adultos mal haviam compreendido o que estava acontecendo. Então, veio a mordida: tal qual um tubarão, Jerry levou sua orelha esquerda de um único golpe, para enfim ser agarrado pelos homens que o cercavam, mas logo conseguiu se desvencilhar e sair correndo. Nesse instante, Christofer desmaiou.
A lembrança daquela tarde o assombrava. Teria ficado muito feliz se o maldito do Jerry tivesse simplesmente desaparecido para nunca mais voltar, mas o infeliz foi encontrado a quarenta e dois quilômetros de casa, sem lembrar de nada do que fez. Por isso, precisou fazer alguma coisa. Ele tinha que reconhecer que o que fizera era imperdoável.
A ideia de matar o cachorro do vizinho veio de Otto, que contou que o cachorro mordeu seu pai, no momento em que Jerry foi agarrado, mas nenhum dos garotos parecia realmente ter coragem de fazer aquilo. Raptar o animal foi fácil, mas, quando chegaram a um esconderijo, num terreno baldio ali perto, onde a matança teria de acontecer, acorrentaram o cachorro a uma árvore e nenhum deles quis começar a tarefa. Ficaram trocando acusações, chacotas e ameaças, sem nada mais fazer, além de olhar para o bicho que, mesmo assustado, rosnava e latia sem parar.
Distraídos, demoraram a perceber que estavam sendo observados. Até que uma voz os surpreendeu, dizendo: "O que fazem aí, seus 'mininos'? Por que prenderam esse cachorro desgraçado, que late sem parar?" Ao olharem, viram um mendigo, todo entrouxado numa roupa suja e esfarrapada, fedendo a vômito, mijo e álcool. Pensaram em xingá-lo para que saísse dali, mas Stefan teve um estalo: "Ei!", ele disse, "Você pode fazer isso pra nós! Quer matar esse cachorro, por algum dinheiro?"
E, desde aquele dia, Christofer não tinha mais paz. Às noites, via-se atormentado por pesadelos recorrentes, nos quais via um grande cão negro, cheio de dentes e saliva ácida escorrendo da boca enorme. E, ao longo das tardes, percebeu que, vez ou outra, era observado por Jerry, mesmo que de longe, em vários lugares onde esteve. E Jerry parecia estar planejando alguma coisa, algo que, contra todas as suas forças, Christofer temia intensamente.