CAPÍTULO OITO - GAROTOS TRAVESSOS
Christofer era o garoto mais esperto da
vizinhança, o mais bonito e o mais forte. Era assim, ao menos, que ele se
sentia, quando se reunia com os amigos, quando conversava com as meninas,
quando zombava dos panacas da escola. Estava sempre sorridente, tinha dentes
perfeitos, juntava admiradores ao seu redor e era um queridinho das
professoras. Recebia dos pais todos os presentes e mimos que quisesse e não
havia quem pudesse competir com seu talento em todos os esportes. Nenhuma vida
poderia ser melhor, mesmo que suas notas nas provas fossem péssimas.
As coisas só se tornaram difíceis depois
daquela ideia de enxer um balão com mijo e fezes, na festa do Jerry. Não teria
sido tão ruim, se o garoto apenas tivesse aceitado a zombaria, voltando
chorando pra dentro de casa, enquanto todos riam, como tinha sido planejado.
Mas ele parecia não reconhecer qual era o lugar dele. E se revoltou bastante -
muito além do que qualquer um poderia imaginar.
O taco com um prego na ponta acertou seu
nariz como um tiro de escopeta. Foi pego totalmente de surpresa. Otto tentou
apartar o maluco do Jerry, mas tomou uma joelhada nas bolas e caiu atordoado
para o lado. Stefan foi um pouco mais ágil, conseguindo desferir um soco de
direita na cara do desgraçado, o que o obrigou a largar o taco, mas ele parecia
não sentir nada, só raiva, nada de dor. Segurou a gola de sua camisa e o
empurrou contra Stefan, deixando-o indefeso, pois os adultos mal haviam
compreendido o que estava acontecendo. Então, veio a mordida: tal qual um
tubarão, Jerry levou sua orelha esquerda de um único golpe, para enfim ser
agarrado pelos homens que o cercavam, mas logo conseguiu se desvencilhar e sair
correndo. Nesse instante, Christofer desmaiou.
A lembrança daquela tarde o assombrava.
Teria ficado muito feliz se o maldito do Jerry tivesse simplesmente
desaparecido para nunca mais voltar, mas o infeliz foi encontrado a quarenta e
dois quilômetros de casa, sem lembrar de nada do que fez. Por isso, precisou
fazer alguma coisa. Ele tinha que reconhecer que o que fizera era imperdoável.
A ideia de matar o cachorro do vizinho
veio de Otto, que contou que o cachorro mordeu seu pai, no momento em que Jerry
foi agarrado, mas nenhum dos garotos parecia realmente ter coragem de fazer
aquilo. Raptar o animal foi fácil, mas, quando chegaram a um esconderijo, num terreno
baldio ali perto, onde a matança teria de acontecer, acorrentaram o cachorro a
uma árvore e nenhum deles quis começar a tarefa. Ficaram trocando acusações,
chacotas e ameaças, sem nada mais fazer, além de olhar para o bicho que, mesmo
assustado, rosnava e latia sem parar.
Distraídos, demoraram a perceber que
estavam sendo observados. Até que uma voz os surpreendeu, dizendo: "O que
fazem aí, seus 'mininos'? Por que prenderam esse cachorro desgraçado, que late
sem parar?" Ao olharem, viram um mendigo, todo entrouxado numa roupa suja
e esfarrapada, fedendo a vômito, mijo e álcool. Pensaram em xingá-lo para que
saísse dali, mas Stefan teve um estalo: "Ei!", ele disse, "Você
pode fazer isso pra nós! Quer matar esse cachorro, por algum dinheiro?"
E, desde aquele dia, Christofer não
tinha mais paz. Às noites, via-se atormentado por pesadelos recorrentes, nos
quais via um grande cão negro, cheio de dentes e saliva ácida escorrendo da boca
enorme. E, ao longo das tardes, percebeu que, vez ou outra, era observado por
Jerry, mesmo que de longe, em vários lugares onde esteve. E Jerry parecia estar
planejando alguma coisa, algo que, contra todas as suas forças, Christofer
temia intensamente.
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