Não é de hoje que minha paixão por RPGs me inspira a escrever. Mas, até recentemente, muito da minha inspiração havia minguado. Eis que, então, ressurge das cinzas, após o lançamento da edição de 20º aniversário do RPG Changeling - O Sonhar, talvez um dos RPGs que mais admirei em toda vida.
Changeling fala sobre pessoas oprimidas por uma realidade amarga, de afazeres repetitivos, de desilusões persistentes, de negação constante contra o que é fabuloso. Ao mesmo tempo, Changeling fala sobre aventuras fantásticas, epopeias alucinantes e magia deslumbrante.
Cada Changeling sabe que é um ser muito mais incrível que um simples ser humano. Eles são mitos, cheio de poderes e peculiaridades fantásticas, mas isso é algo que eles não conseguem facilmente expressar ou demonstrar, porque a Banalidade, força que nasce do cinismo, da descrença (ou da falsa fé), da rejeição às maravilhas, obrigou-os a abrigar suas almas feitas da essência dos sonhos nos corpos de mortais comuns. Assim sendo, eles interagem com o mundo de uma maneira só sua, vendo aquilo que os homens veem e coisas além, como a loucura de Dom Quixote, a ver gigantes onde há moinhos. São Fadas. E não são.
As partidas e histórias de Changeling tratam das vivências desses seres de vida dupla, sempre fugindo da mundanidade humana e da possibilidade de enlouquecerem a si mesmo com os excessos de sua magia. Falam de viagens épicas às profundezas dos Reinos dos Sonhos e Pesadelos e da luta constante pela própria identidade, sempre ameaçada por uma realidade que rejeita sua existência. Falam sobre esperança e sobre medos, sobre diversão e sobre terror.
O personagem de minha nova série - Os sonhos mais sombrios - incorpora um desses seres lendários. Um changeling, mas ainda não sabe disso.
Minha série tem o propósito de mostrar o lado mais perverso desse cenário fantástico, aquele onde os pesadelos moram. Entretanto, essa não é a única forma de ver, jogar ou explorar os enredos possíveis para Changeling - O Sonhar. É apenas aquela que eu escolhi para narrar. Portanto, se quiser saber mais, sinta-se estimulado a conhecer o livro básico de regras do jogo, que pode ser adquirido em lojas especializadas em hobbys ou sites da internet.
Cada capítulo deve ser bem curtinho. Nada mais que "uma página" de texto. Na estreia, você começa a acompanhar a descoberta dessa nova realidade, o que levará a momentos de amargura e tragédia, e também a um bocado de violência.
AVISO: a série não é recomendada para pessoas sensíveis!!
Os sonhos mais Sombrios
CAPÍTULO UM - ANTES DE TUDO
Era um garoto que, como eu, amava rock e super-heróis. Mas,
até antes de seus treze anos, não havia feito uma amizade sequer.
Jerry tinha uma forma rara e severa de daltonismo e era
péssimo em matemática. Também não tinha qualquer talento com esportes e poucos
se importariam em saber que possuía uma capacidade impressionante para aprender
músicas de ouvido, porque seu pai se recusava a lhe dar uma guitarra. Praticava
música com garrafas preenchidas de água, mas a mãe já havia pedido que jogasse
todas fora.
Os colegas de aula o chamavam de ratazana. Os vizinhos de
sua idade preferiam chamá-lo de cocota. Ele se recusava a aceitar qualquer um
dos apelidos, mas, como todos sabem, a opinião da vítima de bullying é poucas
vezes levada em consideração. E, assim, era mais comum que passasse suas tardes
sozinho, lendo gibis de frente à janela do quarto, em vez de brincando com as
crianças e adolescentes do bairro, por quem ele nutria profundo ressentimento.
Um único ser em toda existência fazia com que entendesse
qual era o significado de amizade: o velho cão vira-latas que tinha desde os
cinco anos, chamado Cabum. Estava sempre ao seu lado, roendo um jacaré de
borracha, único brinquedo da infância que Jerry ainda guardava, ou dormindo
sobre sua almofada. Costumavam passear juntos nos fins de tarde, quando a
presença de Cabum intimidava os vizinhos a não importunarem o garoto. Eram como
unha e carne.
Até que, então, chegou o dia de seu décimo
terceiro aniversário. E, contra todas as maiores possibilidades, as coisas só
iriam piorar.
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