CAPÍTULO DEZ - O ROMPER DA CRISÁLIDA
- Vamos ver se você é capaz de entender
o que meu cachorro sentiu, quando foi surrado até a morte!
Jerry tinha apenas um leve toque de
fúria em sua voz, enquanto arremessava a cabeça de Christofer contra a cerca.
De fato, estava muito mais controlado do que poderia, fosse ele apenas um
garoto qualquer de treze anos, e ele próprio percebia isso. Havia uma sensação de
apreciação, naquele momento de sadismo.
- Nnn fff nhiu! - Christofer teria pouca
força pra gritar, mesmo se não estivesse amordaçado. O estômago ainda parecia
estar fora do lugar, depois do murro que levara.
- Sabe o que eu fiz com a sua orelha? Eu
agora lembro! E sabe o que eu penso disso tudo? DANE-SE! - Christofer tomou um
chute na cabeça - Não é como se eu pudesse ser capaz de fazer isso com um
mendigo, pedindo esmola no meio da rua - Outro chute, do lado das costelas - Ou
com algum garotinho inocente, com as roupas combinadas, escolhidas pela mamãe.
Não, eu jamais faria isso! Nem com um bebê, ou com um velhinho camarada, nem
com quase ninguém no mundo! Mas você? E todos aqueles da sua laia? Eu não vejo
por que não! - um último chute, na cicatriz onde, até a outra semana, havia uma
orelha. O golpe desfez o nó da mordaça que, afinal, nem tinha sido mesmo bem
feito.
- Socorro! - Christofer mal conseguia um
murmúrio.
- Eu nunca fui de briga. Não assim, não
nessa vida! Mas, sabe, graças à SUA ajuda, eu lembro de coisas que eu já fiz em
CENTENAS DE ANOS, em meia dúzia de vidas. E parte do que eu lembro é que eu SEI
brigar. Luto como um animal feroz, selvagem, faminto... E, a propósito, eu
estou com fome!
Jerry agarrou o garoto, puxando sua
cabeça com o braço esquerdo e usando a outra mão para torcer um dos braços de
sua vítima, sua presa. Naquela posição, Christofer tinha seu pescoço exposto.
Tentou intensamente se desvencilhar, mas estava muito machucado.
- Veja só! Talvez você pense que eu sou
um vampiro, mas, não, eu não quero um equívoco aqui. Só que essa coisa de nomes
não me veio corretamente à mente... Pare de se mexer, assim fica difícil
lembrar!
Com a brutalidade de um leão, Jerry
atacou Christofer na jugular, firmando seus dentes e puxando com força, até ter
um enorme pedaço de carne de pescoço rasgado na boca. Christofer gritou
apavorado, com a dor excruciante que sentiu, e então gemeu, e então se foi.
Jerry percebeu que havia um boné branco,
com o símbolo de um time de futebol, pendurado num fio de varal. Sacou-o e
ficou a observá-lo por alguns instantes. Seu coração parecia querer sair do
peito, estava sem fôlego. Olhou para o lado e, notando que uma figura familiar
se aproximava, falou:
- Aproxime-se, Cabum. Você tem que ver
isso.
A criatura parecia um cão, mas havia
muito de monstruoso em sua forma, mesmo desconsiderando o enorme tamanho. Tinha
a pele escura desprovida de pelos e veias calibrosas pareciam evidentes em sua
pele, cheia de sardas e cicatrizes. Enquanto andava, a bocarra deixava uma baba
viscosa escorrer. Seus olhos eram rubros e saía fumaça de suas narinas, a cada
expiração. Não era, realmente, o amigo viralatas que Jerry perdera para a
violência de seus vizinhos maldosos, mas a projeção de um pesadelo, uma sombra,
um fragmento de um sonho sombrio. E Jerry sabia disso, de um modo que não poderia
ainda explicar. Ele apenas sabia. Como também sabia que o cão só era visível
para si mesmo, tal qual o aspecto que tinha ao espelho.
Mas aquilo... Aquilo podia mudar. Seu
instinto dizia isso, se as confusas lembranças de prévias existências não o
faziam.
Uma porta lateral se abria na casa,
enquanto Jerry lavava o boné que obtivera por troféu no sangue que escorria do
moribundo. Na mente de Jerry, aquilo era como um rito de passagem. A mãe de
Christofer testemunhou cada momento daquele ato psicótico e, para sua própria
mente, era a própria definição de terror. E a cena se tornou ainda mais
amedrontadora quando, ao vestir o boné embebido de sangue, Jerry foi circundado
por uma aura luminosa rubra, que fez seu corpo se transformar, como num truque
de mágica.
No lugar de calças jeans e tênis, Jerry
agora usava calças de couro preto e botas de algum metal envelhecido e coberto
de sujeira. Onde antes havia um rosto normal de um adolescente, agora havia uma
face retorcida e pálida de um arremedo de ser humano, com uma boca enorme e
cheia de dentes pontudos e amarelos. E ao seu lado, uma fera que extrapolava
qualquer descrição racional.
- O-o... O quê é-é-é isso? - conseguiu
balbuciar.
- Sou um Redcap -
disse Jerry, satisfeito pelo retorno da lembrança - Presumo que a senhora não vá
me oferecer a sobremesa, não é? - riu, e saiu correndo pelos fundos do pátio,
assoviando para que seu mascote monstro o acompanhasse, deixando para trás uma
senhora tão aturdida pelo pânico que só foi capaz de chorar e gritar cinco
minutos depois, quando voltou a sentir suas pernas.